A poesia de Baudelaire representa a comunhão entre emoção e rigor formal, conflito e dilema, entre ascensão e queda, carne e espírito.
Os temas de Baudelaire são as cidades, as prostitutas, a morte, o diabo, a decadência, os pobres, o que não é nobre, o que é ofensivo.
“A velha enrugadinha se sentiu toda faceira o ver a linda criança a quem todos faziam festa, a quem todo o mundo queria agradar; este lindo ser tão frágil, como ela, a velhinha e, também como ela, sem dentes e sem cabelo.
E aproximou-se dela, querendo fazer-lhe gracinhas e trejeitos simpáticos.
Mas a criança apavorada se debatia sob as carícias da boa mulher decrépita, e enchia a casa com seus ganidos.
Então a boa velha retirou-se em sua solidão eterna, e chorava num canto, pensando: ‘Ah! para nós, infelizes velhas fêmeas, a idade de agradar passou, mesmo aos inocentes; e horrorizamos as criancinhas que queremos amar!’”
O feio, tão rejeitado pela sociedade é acolhido por Baudelaire. O desespero da velha é apenas um dos poemas em que ele insere o excluído. A sua musa é doente:
“Que tens esta manhã, ó musa de ar magoado?
Teus olhos estão cheios de visões noturnas,
E vejo que em teu rosto afloram lado a lado
A loucura e a aflição, frias e taciturnas”.
Baudelaire canta a prostituta, a mulher das ruas, não é casta, tem vários amantes. Em Louvores à minha Francisca:
“Como a um Letes benfazejo,
À boca te sorvo um beijo,
Pois que és ímã do desejo”.
É importante relacionar sua estética a certos intertextos que ele faz para ilustrar melhor a nova estética. Em O ideal pode-se perceber a beleza ideal, a musa ideal, o poeta ideal através da intertextualidade, da experiência de leitura do poeta e de seu leitor. É a arte moderna ideal:
“Jamais serão essas vinhetas decadentes,
Belezas pútridas de um século plebeu,
Nem borzeguins ou castanholas estridentes,
Que irão bastar a um coração igual ao meu.
Concedo a Garvani, o poeta das cloroses,
Todo o rebanho das belezas de hospital,
Pois nunca vi dentre essas pálidas necroses
Uma só flor afim de meu sangüíneo ideal.
O que me falta ao coração e o que me redime
Sois vós, ó Lady Macbeth, alma afeita ao crime,
Sonho de Ésquilo exposto ao aguilhão dos ventos;
Ou tu, Noite, por Miguel Ângelo engendrada,
Que em paz retornes numa pose inusitada
Teus encantos ao gosto dos Titãs sedentos!”
Lady Macbeth de Shakespeare é uma das mais perversas mulheres da literatura mundial e consegue ainda ser mais hipócrita, dissimulada e malvada que Medéia de Eurípides, tanto que ela é o sonho de Ésquilo, é um sonho de, pois uma alma tão afeita ao crime pode ser bem capaz de causar a mais perfeita catarse. Baudelaire é de fato bastante clássico em algumas de suas maneiras.
A estética começa com a revolta de Baudelaire. Como vimos, ele transgride toda a temática, mas, talvez a mais intrigante de todas, seja a do diabo. É errado pensar que ao cantar o Demônio, Baudelaire esteja blasfemando ou se rebelando contra sua fé católica. Esse é um fenômeno completamente estético.
Lúcifer, o anjo de luz, que ameaçou a poder e o conhecimento do Deus supremo, foi exilado do Paraíso, sofreu a queda e foi amaldiçoado para todo o sempre.
Os pobres, as prostitutas, os bêbados, os infelizes e desgraçados, exilados dos luxos do capitalismo e abandonados pelo poder maior são o Lúcifer de Baudelaire.
A parte do livro As flores do mal dedicado a inúmeras “blasfêmias” é chamado A Revolta. A inversão de valores está ao máximo explícita. Contém os poemas: A negação de São Pedro, Abel e Caim, As litanias de Satã que é encerrado com uma oração.
No primeiro São Pedro nega Jesus, e Baudelaire louva essa atitude. Trazendo a interpretação de Walter Benjamin, o poeta deu um brado de vitória em relação à resistência a hierarquias, a classe dominadora:
“- Quanto a mim, isto é certo, eu saio satisfeito
Deste mundo onde o sonho e a ação vivem a sós;
Possa eu usar a espada e a espada ser-me algoz!
São Pedro renegou Jesus... Pois foi bem-feito!”
Em Abel e Caim o próprio título propõe a inversão: a Bíblia sempre cita os irmãos como “Caim e Abel”, por Caim ser o primogênito e o assassino de Abel. Baudelaire os troca de lugar, colocando Abel como o invejoso e despeitado. O feio e o belo trocaram de lugar na concepção de Baudelaire. O poema é dividido em I e II mostrando claramente a mudança. Na concepção de Benjamin, isso é representação do conflito das classes sociais. Para esse texto, é conveniente manter a idéia de mudança de temática.
As litanias de Satã é o mais tenebroso, pois se assemelha muito às ladainhas católicas a Jesus Cristo e Maria. Mas como foi dito anteriormente, Baudelaire mantinha sua fé católica e essa blasfêmia é, na verdade, o ápice da transgressão poética baudelaireana:
“Ó tu, o anjo mais belo e sábio entre teus pares,
Deus que a sorte traiu e expulsou dos altares,”
O mais belo que depois da Queda se tornou o mais abominável e que novamente é transformado em belo ao ser cantado no poema mostra mudanças nas duas direções: belo→feio e feio→belo.
Essas informações são importantes para não fazermos, equivocadamente, interpretações de obra levando em consideração a biografia do autor, pois assim podemos cair na crítica impressionista de Anatole France, a qual limita a obra a uma leitura sensorial, imatura, fazendo-a se perder como texto artístico o qual pode ser mal interpretado dependendo do leitor.
O autor tem intenção, mas, antes de tudo, a própria obra tem intenção, é um organismo vivo e em movimento que se manifesta a leitores intelectuais que fazem críticas em torno do texto como objeto primeiramente artístico e depois estético.