domingo, 6 de julho de 2008

Saudades

Sinto saudades dos meus dias plenamente universitários...
Aulas pela manhã, almoços no RE e aulas pela tarde, todas relacionadas à teoria da literatura...

Novas motivações para o mestrado me abordam...
Vale a pena abrir mão de tudo pela Literatura, sim, vale!

Baudelaire e a temática do feio

A poesia de Baudelaire representa a comunhão entre emoção e rigor formal, conflito e dilema, entre ascensão e queda, carne e espírito.
Os temas de Baudelaire são as cidades, as prostitutas, a morte, o diabo, a decadência, os pobres, o que não é nobre, o que é ofensivo.

“A velha enrugadinha se sentiu toda faceira o ver a linda criança a quem todos faziam festa, a quem todo o mundo queria agradar; este lindo ser tão frágil, como ela, a velhinha e, também como ela, sem dentes e sem cabelo.
E aproximou-se dela, querendo fazer-lhe gracinhas e trejeitos simpáticos.
Mas a criança apavorada se debatia sob as carícias da boa mulher decrépita, e enchia a casa com seus ganidos.
Então a boa velha retirou-se em sua solidão eterna, e chorava num canto, pensando: ‘Ah! para nós, infelizes velhas fêmeas, a idade de agradar passou, mesmo aos inocentes; e horrorizamos as criancinhas que queremos amar!’”

O feio, tão rejeitado pela sociedade é acolhido por Baudelaire. O desespero da velha é apenas um dos poemas em que ele insere o excluído. A sua musa é doente:

“Que tens esta manhã, ó musa de ar magoado?
Teus olhos estão cheios de visões noturnas,
E vejo que em teu rosto afloram lado a lado
A loucura e a aflição, frias e taciturnas”.

Baudelaire canta a prostituta, a mulher das ruas, não é casta, tem vários amantes. Em Louvores à minha Francisca:

“Como a um Letes benfazejo,
À boca te sorvo um beijo,
Pois que és ímã do desejo”.

É importante relacionar sua estética a certos intertextos que ele faz para ilustrar melhor a nova estética. Em O ideal pode-se perceber a beleza ideal, a musa ideal, o poeta ideal através da intertextualidade, da experiência de leitura do poeta e de seu leitor. É a arte moderna ideal:

“Jamais serão essas vinhetas decadentes,
Belezas pútridas de um século plebeu,
Nem borzeguins ou castanholas estridentes,
Que irão bastar a um coração igual ao meu.

Concedo a Garvani, o poeta das cloroses,
Todo o rebanho das belezas de hospital,
Pois nunca vi dentre essas pálidas necroses
Uma só flor afim de meu sangüíneo ideal.

O que me falta ao coração e o que me redime
Sois vós, ó Lady Macbeth, alma afeita ao crime,
Sonho de Ésquilo exposto ao aguilhão dos ventos;

Ou tu, Noite, por Miguel Ângelo engendrada,
Que em paz retornes numa pose inusitada
Teus encantos ao gosto dos Titãs sedentos!”

Lady Macbeth de Shakespeare é uma das mais perversas mulheres da literatura mundial e consegue ainda ser mais hipócrita, dissimulada e malvada que Medéia de Eurípides, tanto que ela é o sonho de Ésquilo, é um sonho de, pois uma alma tão afeita ao crime pode ser bem capaz de causar a mais perfeita catarse. Baudelaire é de fato bastante clássico em algumas de suas maneiras.
A estética começa com a revolta de Baudelaire. Como vimos, ele transgride toda a temática, mas, talvez a mais intrigante de todas, seja a do diabo. É errado pensar que ao cantar o Demônio, Baudelaire esteja blasfemando ou se rebelando contra sua fé católica. Esse é um fenômeno completamente estético.
Lúcifer, o anjo de luz, que ameaçou a poder e o conhecimento do Deus supremo, foi exilado do Paraíso, sofreu a queda e foi amaldiçoado para todo o sempre.
Os pobres, as prostitutas, os bêbados, os infelizes e desgraçados, exilados dos luxos do capitalismo e abandonados pelo poder maior são o Lúcifer de Baudelaire.
A parte do livro As flores do mal dedicado a inúmeras “blasfêmias” é chamado A Revolta. A inversão de valores está ao máximo explícita. Contém os poemas: A negação de São Pedro, Abel e Caim, As litanias de Satã que é encerrado com uma oração.
No primeiro São Pedro nega Jesus, e Baudelaire louva essa atitude. Trazendo a interpretação de Walter Benjamin, o poeta deu um brado de vitória em relação à resistência a hierarquias, a classe dominadora:

“- Quanto a mim, isto é certo, eu saio satisfeito
Deste mundo onde o sonho e a ação vivem a sós;
Possa eu usar a espada e a espada ser-me algoz!
São Pedro renegou Jesus... Pois foi bem-feito!”

Em Abel e Caim o próprio título propõe a inversão: a Bíblia sempre cita os irmãos como “Caim e Abel”, por Caim ser o primogênito e o assassino de Abel. Baudelaire os troca de lugar, colocando Abel como o invejoso e despeitado. O feio e o belo trocaram de lugar na concepção de Baudelaire. O poema é dividido em I e II mostrando claramente a mudança. Na concepção de Benjamin, isso é representação do conflito das classes sociais. Para esse texto, é conveniente manter a idéia de mudança de temática.
As litanias de Satã é o mais tenebroso, pois se assemelha muito às ladainhas católicas a Jesus Cristo e Maria. Mas como foi dito anteriormente, Baudelaire mantinha sua fé católica e essa blasfêmia é, na verdade, o ápice da transgressão poética baudelaireana:

“Ó tu, o anjo mais belo e sábio entre teus pares,
Deus que a sorte traiu e expulsou dos altares,”

O mais belo que depois da Queda se tornou o mais abominável e que novamente é transformado em belo ao ser cantado no poema mostra mudanças nas duas direções: belo→feio e feio→belo.
Essas informações são importantes para não fazermos, equivocadamente, interpretações de obra levando em consideração a biografia do autor, pois assim podemos cair na crítica impressionista de Anatole France, a qual limita a obra a uma leitura sensorial, imatura, fazendo-a se perder como texto artístico o qual pode ser mal interpretado dependendo do leitor.
O autor tem intenção, mas, antes de tudo, a própria obra tem intenção, é um organismo vivo e em movimento que se manifesta a leitores intelectuais que fazem críticas em torno do texto como objeto primeiramente artístico e depois estético.

Uma das minhas hipóteses sobre minha pesquisa monográfica

O poeta moderno é lírico, crítico e teórico. Não se deve mais falar em inspiração. O termo mais adequado para a lírica contemporânea é a exatidão utilizada por Ítalo Calvino.
O leitor moderno também mudou. Ele não espera que o poema lido venha acrescentar ou relembrar experiências emocionais e sentimentais de sua vida ou de outrem. Ele espera participar do poema, com sua leitura. É como se a obra viesse com lacunas que só a sua leitura poderia preencher. Ele também é crítico, é poeta.
A experiência muda. Ela é individual e coletiva em sentido ambivalente. As duas forças opostas vão de encontro e se unem fazendo o conjunto da obra funcionar de maneira perfeita. Os poetas do passado tradicional devem ser revelados no talento individual do poeta e, para que esse consiga realizar tal projeto, deve carregar consigo a aptidão de julgar, isto é, ser crítico e teórico.
E, por fim, Filosofia da composição é mais uma poética do que ensaio ou qualquer outra coisa que seja diferente da primeira, pois assim como Aristóteles, Longino, Horácio, Boileau e Victor Hugo, Poe estabelece padrões que direcionaram e ainda direcionam qualquer estudo responsável sobre a lírica moderna.